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segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Cultura da Vida

Escolhestes como tema para a reflexão da vossa assembléia um assunto de muito interesse: "A cultura da vida: fundamentos e dimensões". Na sua própria formulação, o tema já manifesta o propósito de chamar a atenção para o aspecto positivo e construtivo da defesa da vida humana.
Nestes dias, vos são pedidos os fundamentos a partir dos quais é necessário avançar para promover ou reativar uma cultura da vida e os conteúdos com que propô-la a uma sociedade assinalada - como recordava na Encíclica Evangelium Vitae - por uma cultura da morte, cada vez mais espalhada e alarmante (cf. n. 7,17).

O melhor modo de superar e vencer a perigosa cultura da morte consiste propriamente em dar sólidos fundamentos e luminosos conteúdos a uma cultura da vida que se lhe oponha com vigor. Não é suficiente, mesmo se necessário e obrigatório, limitar-se a expor e denunciar os efeitos letais da cultura da morte. É necessário, antes de tudo, regenerar desde já o tecido interior da cultura contemporânea, entendida como mentalidade vivida, como convicções e comportamentos, como estruturas sociais que a sustentam.

Esta reflexão aparece muito mais preciosa, se se tem em conta que pela cultura não é influenciada apenas a conduta individual, mas também as escolhas legislativas e políticas, que, por sua vez, veiculam estímulos culturais que não raro dificultam, infelizmente, a autêntica renovação da sociedade.
A cultura orienta, além disso, as estratégias da procura científica, que hoje, como nunca, está em situação de oferecer meios poderosos, infelizmente nem sempre empregados para o verdadeiro bem do homem. Assim, às vezes, a pesquisa parece mover-se, em muitos campos, verdadeiramente contra o homem.

Oportunamente, portanto, quisestes esclarecer os fundamentos e as dimensões da cultura da vida. Nesta perspectiva, quisestes pôr o tom sobre os grandes temas da criação, realçando como a vida humana deva ser percebida como dom de Deus. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, é chamado a ser seu livre colaborador e, ao mesmo tempo, responsável na "gestão" da criação.
Quisestes, além disso, reforçar os valores inalienáveis da dignidade da pessoa, que assinala cada indivíduo, desde a concepção até a morte natural; consultastes de novo o tema da corporeidade e do seu significado personalista; dirigistes a atenção para a família como comunidade de amor e de vida.

Detivestes-vos a considerar a importância dos meios de comunicação para uma difusão geral da cultura da vida e a necessidade de se comprometerem no testemunho pessoal a seu favor. Além disso, recordastes como é dificultado, neste aspecto, todo o caminho que favoreça o diálogo, na convicção de que a verdade plena sobre o homem é o sustento da vida. O crente é apoiado nisto pelo entusiasmo radicado na fé. A vida vencerá: esta é para nós uma esperança segura. Sim, vencerá a vida, porque do lado da vida estão a verdade, o bem, a alegria, o verdadeiro progresso. Do lado da vida está Deus, que ama a vida e a dá em abundância.

A palavra e o exemplo de Jesus

Como sempre acontece nas relações entre reflexão filosófica e meditação teológica, também neste caso é de indispensável ajuda a palavra e o exemplo de Jesus, que deu a sua vida para vencer a nossa morte e para associar o homem à sua ressurreição. Cristo é a "ressurreição e a vida" (Jo 11,25).
Raciocinando nesta ótica, escrevi na Encíclica Evangelium Vitae: "O Evangelho da vida não é uma simples reflexão, mesmo se original e profunda, sobre a vida humana: também não é somente um mandamento destinado a sensibilizar a consciência e a provocar mudanças significativas na sociedade; muito menos é uma ilusória promessa de um futuro melhor. O Evangelho da vida é uma realidade concreta e pessoal, porque consiste no anúncio da própria pessoa de Jesus. Ao apóstolo Tomé e a cada homem, Jesus apresenta-se com estas palavras: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6)" (n. 29).

Trata-se de uma verdade fundamental que a comunidade dos crentes, hoje mais do que nunca, é chamada a defender e propagar. A mensagem cristã sobre a vida está "escrita de algum modo no próprio coração de cada homem e de cada mulher, ressoa em toda a consciência desde o princípio, ou seja, desde a própria criação, de tal modo que, não obstante os condicionalismos negativos do pecado, pode também ser conhecido nos seus traços essenciais pela razão humana" (Evangelium Vitae, 29).

O conceito de criação não é somente um esplêndido anúncio da Revelação, mas também uma espécie de pressentimento profundo do espírito humano. Do mesmo modo, a dignidade da pessoa não é noção que deriva somente da afirmação bíblica segundo a qual o homem foi criado "à imagem e semelhança" do Criador, não é um conceito radicado no seu ser espiritual, graças ao qual ele se manifesta como ser transcendente a respeito do mundo que o envolve. A reivindicação da dignidade do corpo como "sujeito" e não simples "objeto" material, constitui a lógica conseqüência da concepção bíblica da pessoa. Trata-se de uma concepção unitária do ser humano, que muitas correntes de pensamento ensinaram, desde a filosofia medieval até aos nossos tempos.

Diálogo entre fé e razão

O compromisso pelo diálogo entre a fé e a razão não pode deixar de reforçar a cultura da vida, unindo ao mesmo tempo dignidade e sacralidade, liberdade e responsabilidade de cada pessoa, como componentes imprescindíveis da sua própria existência. Será, assim, garantida, juntamente com a defesa da vida pessoal, a tutela do ambiente, ambos criados e ordenados por Deus, como se comprova pela própria estrutura do universo visível.

As grandes instâncias relativas à vida de cada ser humano desde a concepção até a morte, o compromisso pela promoção da família segundo o desígnio original de Deus e a urgente necessidade, já sentida por todos, de salvaguardar o ambiente em que vivemos, representam para a ética e para o direito um terreno de interesse comum. Acima de tudo, neste campo em que estão envolvidos os direitos fundamentais da convivência humana, vale quanto escrevi na Encíclica Fides et Ratio: "A Igreja continua profundamente convencida de que a fé e a razão 'se ajudam mutuamente', exercendo, uma em prol da outra, a função tanto de discernimento crítico e purificador, como de estímulo para progredir na investigação e no aprofundamento" (n. 100).

A radicalidade dos desafios que hoje são postos à humanidade, por uma parte, dos progressos da ciência e da tecnologia, por outra dos processos de laicização da sociedade, exige um esforço apaixonado de aprofundamento da reflexão sobre o homem e sobre o seu estar no mundo e na história. É necessário dar prova de uma grande capacidade de diálogo, de escuta e de proposta, com vista à formação das consciências. Só assim se poderá dar vida a uma cultura fundada sobre a esperança e aberta ao progresso integral de cada indivíduo nos vários Países, de modo justo e solidário. Sem uma cultura que mantenha sólido o direito à vida e promova os valores fundamentais de cada pessoa, não se pode ter uma sociedade sã nem a garantia da paz e da justiça.

Peço a Deus que ilumine as consciências e guie quantos estão envolvidos, em vários níveis, na edificação da sociedade de amanhã. Saibamos propor sempre como objetivo primário a salvaguarda e a defesa da vida.
A vós, ilustres membros da Pontifícia Academia para a Vida, que gastais as vossas energias ao serviço de uma finalidade tão nobre e exigente, exprimo o meu mais vivo e grato apreço. O Senhor vos ajude no trabalho que estais fazendo, a levar a bom termo a missão que vos foi confiada. A Virgem Santíssima vos conforte com a sua proteção maternal.

A Igreja está reconhecida pelo nobre serviço que prestais à vida. Quanto a mim, desejo acompanhar-vos com o meu constante encorajamento, enriquecido por uma especial bênção apostólica.


Papa João Paulo II
Discurso por ocasião da VII Assembléia Geral da
Pontifícia Academia para a Vida, no dia 3 de março de 2001

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