- Publicamos a seguir artigo do doutor em Teologia e coordenador-geral do Núcleo Dom Hélder de Bioética - PUC/RJ, André Marcelo M. Soares, sobre o tema da clonagem e da utilização de células-tronco. O texto foi divulgado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
"Hoje a ovelha, amanhã o pastor"
Desde 24 de janeiro de 1997, quando foi comunicado ao mundo o sucesso do processo de clonagem do qual nasceu a ovelha Dolly, vários setores da sociedade começaram a debater sobre a aplicação desta técnica em seres humanos. Inicialmente, as discussões se davam em torno da possibilidade de produzir clones para a reposição de órgãos. Esta possibilidade, conhecida como clonagem humana reprodutiva, embora se apresente com preocupações terapêuticas é, sem dúvida, absolutamente repulsiva do ponto de vista ético. Em primeiro lugar, ela fere a estrutura ontológica do ser humano, que não se reduz a um meio terapêutico; em segundo, a compreensão antropológica engloba muitas outras funções além da biológica e em terceiro, esta possibilidade abre caminho para a discriminação, ao distinguir, contra naturam, seres humanos constituídos da mesma substância. O ser clonado não possui, em relação ao doador da célula, somente o mesmo conteúdo genético. Ele possui também a mesma dignidade, sendo assim, utilizá-lo como objeto de reposição constitui uma grave violência contra o ser humano.
Já a finalidade terapêutica da clonagem, apesar de muito debatida no campo ético e jurídico, sempre foi apresentada por seus defensores com justificativas muito distintas daquelas oferecidas pela clonagem reprodutiva. A questão não está na distinção das finalidades da clonagem ou nas suas respectivas justificativas. A questão é saber quando e por que esta distinção surgiu. Do ponto de vista ético, o que se discute não é o produto da clonagem, mas seus princípios. Ao classificar o processo como reprodutivo ou como terapêutico, não estão sendo levados em conta os meios, mas unicamente os fins. Não se pode esquecer que, no início, a clonagem reprodutiva se apresentava com uma finalidade terapêutica. A finalidade pode variar, mas em ambos os casos a intenção é formar, a partir da fusão entre uma célula somática e um óvulo sem núcleo, um embrião com as mesmas características do doador da célula. De qualquer modo, será imprescindível o uso do embrião e, conseqüentemente, a ruptura do desenvolvimento da vida humana, que inicia com a fusão dos gametas.
Diante dos problemas éticos impostos pela clonagem, seja ela reprodutiva ou terapêutica, o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco, presentes nos organismos já desenvolvidos, surge como uma possibilidade frente à utilização de embriões clonados. A técnica é, do ponto de vista bioético, plenamente admissível e não apresenta as interrogações existentes no processo da clonagem. Todavia, embora não se faça necessário o uso de embriões para a obtenção das células-tronco, para alguns especialistas, a eficiência terapêutica é maior quando estas células são extraídas durante o processo de embriogênesis. Aqui estão presentes os mesmos questionamentos éticos relacionados ao processo de clonagem.
Entre os que defendem a clonagem e o uso de células-tronco embrionárias, encontram-se aqueles que entendem ser um desperdício o simples descarte dos embriões obtidos através da inseminação artificial. Para estes, se a destruição dos embriões é inevitável, porque não aproveitá-los para retirar o material que interessa. Este posicionamento, pautado num propósito “beneficente”, é claramente utilitarista, uma vez que não consegue perceber a real teleologia embriológica. A fecundação tem como fim elementar e essencial o nascimento de um novo ser e não o de prover bancos de órgãos. Além do mais, este argumento é falacioso, uma vez que não questiona o destino dos embriões que sobram da fertilização in vitro.
Para defender o uso das células-tronco embrionárias, também é comum a distinção entre embriões “naturais” e “artificiais”. Os “naturais” seriam aqueles originados da fusão entre o espermatozóide e um óvulo, processo conhecido como fecundação. Já os “artificiais” são aqueles produzidos através da fusão entre uma célula somática e um óvulo sem núcleo. A partir desta distinção, alguns especialistas defendem o argumento de os embriões “artificiais” não são, de fato, embriões, uma vez que não são constituídos pela fusão de duas células com informações geneticamente distintas. Para estes especialistas, que defendem o uso de células-tronco embrionárias, o processo de produção artificial de embriões em nada se aproxima da fecundação. O problema aqui está no fato de que, por esse processo seguir as mesmas etapas de uma fecundação ordinária, nada impede que se produza daí um clone. Além do mais, a diferença no processo de fusão não implica numa diferença ontológica dos seres gerados. Em ambos os casos, o resultado poderá ser a geração de uma nova vida. Sendo assim, não se justifica eticamente, sob qualquer aspecto, a utilização de embriões, sejam eles “naturais” ou “artificiais”. O embrião, mesmo aquele chamado de “artificial”, não pode ser tratado simplesmente como um recurso biológico.
É necessário observar que a dignidade humana deve ser respeitada em qualquer etapa do desenvolvimento biológico. Afinal, não é possível estabelecer, através de critérios axiológicos, a etapa da vida humana que tem mais valor. Se houvesse um tal critério ele, certamente, não seria biológico, mas mercadológico e utilitarista. Não se pode atribuir valor à vida humana partindo de critérios exclusivamente acidentais. Mesmo os padrões anatômicos e fisiológicos não são suficientes para definir a importância da vida humana, caso contrário, chegaríamos a absurda conclusão de que deficientes e doentes mentais possuem um valor menor do que aqueles seres ditos normais. A vida no estágio embrionário possui valor idêntico ao da vida humana no seu estágio adulto e terminal.
Concluindo, as pesquisas com células-tronco, desde que não interrompam o desenvolvimento da vida humana, são necessárias e seus resultados poderão, num futuro não muito distante, contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas que sofrem de doenças crônicas e degenerativas adquiridas. Todavia, é um imperativo ético avaliar os limites inerentes aos benefícios oferecidos por algumas técnicas que, prometendo resultados num curto prazo, conduzem a uma discriminação. Os benefícios da ciência não podem, de modo algum, proporcionar, na forma de um dúplice efeito, o extermínio de uma parte da humanidade em detrimento da outra. A ciência, que deve colaborar na busca de uma vida melhor e mais saudável, é incoerente quando, para isso, trilha o caminho da morte e da exclusão social.
No que se refere às pesquisas com células-tronco, toda dificuldade deve ser enfrentada corajosamente para que nenhuma vida, em qualquer etapa de seu desenvolvimento, seja sacrificada. A vida humana deve ser respeitada desde o seu início e isto deve ser assegurado pelo Direito e defendido pela verdadeira ciência.
"Hoje a ovelha, amanhã o pastor"
Desde 24 de janeiro de 1997, quando foi comunicado ao mundo o sucesso do processo de clonagem do qual nasceu a ovelha Dolly, vários setores da sociedade começaram a debater sobre a aplicação desta técnica em seres humanos. Inicialmente, as discussões se davam em torno da possibilidade de produzir clones para a reposição de órgãos. Esta possibilidade, conhecida como clonagem humana reprodutiva, embora se apresente com preocupações terapêuticas é, sem dúvida, absolutamente repulsiva do ponto de vista ético. Em primeiro lugar, ela fere a estrutura ontológica do ser humano, que não se reduz a um meio terapêutico; em segundo, a compreensão antropológica engloba muitas outras funções além da biológica e em terceiro, esta possibilidade abre caminho para a discriminação, ao distinguir, contra naturam, seres humanos constituídos da mesma substância. O ser clonado não possui, em relação ao doador da célula, somente o mesmo conteúdo genético. Ele possui também a mesma dignidade, sendo assim, utilizá-lo como objeto de reposição constitui uma grave violência contra o ser humano.
Já a finalidade terapêutica da clonagem, apesar de muito debatida no campo ético e jurídico, sempre foi apresentada por seus defensores com justificativas muito distintas daquelas oferecidas pela clonagem reprodutiva. A questão não está na distinção das finalidades da clonagem ou nas suas respectivas justificativas. A questão é saber quando e por que esta distinção surgiu. Do ponto de vista ético, o que se discute não é o produto da clonagem, mas seus princípios. Ao classificar o processo como reprodutivo ou como terapêutico, não estão sendo levados em conta os meios, mas unicamente os fins. Não se pode esquecer que, no início, a clonagem reprodutiva se apresentava com uma finalidade terapêutica. A finalidade pode variar, mas em ambos os casos a intenção é formar, a partir da fusão entre uma célula somática e um óvulo sem núcleo, um embrião com as mesmas características do doador da célula. De qualquer modo, será imprescindível o uso do embrião e, conseqüentemente, a ruptura do desenvolvimento da vida humana, que inicia com a fusão dos gametas.
Diante dos problemas éticos impostos pela clonagem, seja ela reprodutiva ou terapêutica, o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco, presentes nos organismos já desenvolvidos, surge como uma possibilidade frente à utilização de embriões clonados. A técnica é, do ponto de vista bioético, plenamente admissível e não apresenta as interrogações existentes no processo da clonagem. Todavia, embora não se faça necessário o uso de embriões para a obtenção das células-tronco, para alguns especialistas, a eficiência terapêutica é maior quando estas células são extraídas durante o processo de embriogênesis. Aqui estão presentes os mesmos questionamentos éticos relacionados ao processo de clonagem.
Entre os que defendem a clonagem e o uso de células-tronco embrionárias, encontram-se aqueles que entendem ser um desperdício o simples descarte dos embriões obtidos através da inseminação artificial. Para estes, se a destruição dos embriões é inevitável, porque não aproveitá-los para retirar o material que interessa. Este posicionamento, pautado num propósito “beneficente”, é claramente utilitarista, uma vez que não consegue perceber a real teleologia embriológica. A fecundação tem como fim elementar e essencial o nascimento de um novo ser e não o de prover bancos de órgãos. Além do mais, este argumento é falacioso, uma vez que não questiona o destino dos embriões que sobram da fertilização in vitro.
Para defender o uso das células-tronco embrionárias, também é comum a distinção entre embriões “naturais” e “artificiais”. Os “naturais” seriam aqueles originados da fusão entre o espermatozóide e um óvulo, processo conhecido como fecundação. Já os “artificiais” são aqueles produzidos através da fusão entre uma célula somática e um óvulo sem núcleo. A partir desta distinção, alguns especialistas defendem o argumento de os embriões “artificiais” não são, de fato, embriões, uma vez que não são constituídos pela fusão de duas células com informações geneticamente distintas. Para estes especialistas, que defendem o uso de células-tronco embrionárias, o processo de produção artificial de embriões em nada se aproxima da fecundação. O problema aqui está no fato de que, por esse processo seguir as mesmas etapas de uma fecundação ordinária, nada impede que se produza daí um clone. Além do mais, a diferença no processo de fusão não implica numa diferença ontológica dos seres gerados. Em ambos os casos, o resultado poderá ser a geração de uma nova vida. Sendo assim, não se justifica eticamente, sob qualquer aspecto, a utilização de embriões, sejam eles “naturais” ou “artificiais”. O embrião, mesmo aquele chamado de “artificial”, não pode ser tratado simplesmente como um recurso biológico.
É necessário observar que a dignidade humana deve ser respeitada em qualquer etapa do desenvolvimento biológico. Afinal, não é possível estabelecer, através de critérios axiológicos, a etapa da vida humana que tem mais valor. Se houvesse um tal critério ele, certamente, não seria biológico, mas mercadológico e utilitarista. Não se pode atribuir valor à vida humana partindo de critérios exclusivamente acidentais. Mesmo os padrões anatômicos e fisiológicos não são suficientes para definir a importância da vida humana, caso contrário, chegaríamos a absurda conclusão de que deficientes e doentes mentais possuem um valor menor do que aqueles seres ditos normais. A vida no estágio embrionário possui valor idêntico ao da vida humana no seu estágio adulto e terminal.
Concluindo, as pesquisas com células-tronco, desde que não interrompam o desenvolvimento da vida humana, são necessárias e seus resultados poderão, num futuro não muito distante, contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas que sofrem de doenças crônicas e degenerativas adquiridas. Todavia, é um imperativo ético avaliar os limites inerentes aos benefícios oferecidos por algumas técnicas que, prometendo resultados num curto prazo, conduzem a uma discriminação. Os benefícios da ciência não podem, de modo algum, proporcionar, na forma de um dúplice efeito, o extermínio de uma parte da humanidade em detrimento da outra. A ciência, que deve colaborar na busca de uma vida melhor e mais saudável, é incoerente quando, para isso, trilha o caminho da morte e da exclusão social.
No que se refere às pesquisas com células-tronco, toda dificuldade deve ser enfrentada corajosamente para que nenhuma vida, em qualquer etapa de seu desenvolvimento, seja sacrificada. A vida humana deve ser respeitada desde o seu início e isto deve ser assegurado pelo Direito e defendido pela verdadeira ciência.
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