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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Na eutanásia perde-se o sentido do sacrifício



- Eloy Bueno de la Fuente, decano da Faculdade de Teologia do Norte da Espanha, participou em 4 de março passado de umas jornadas da Universidade de Deusto com o título “A Cruz, o rosto mais humano de Deus”.

Em sua intervenção, o teólogo destacou a importância da Cruz na fé cristã, assim como a atualidade de sua mensagem na sociedade de hoje. O teólogo aprofunda nesta dimensão nesta entrevista concedida a Veritas.

Por que a Cruz é o rosto "mais humano" de Deus?

Eloy Bueno de la Fuente: Em virtude da encarnação, a fé cristã teve a ousadia de falar de um Deus crucificado. À luz da razão espontânea e natural, cruz e Deus parecem conceitos e realidades contraditórias e incompatíveis. E, contudo, aí encontramos a contribuição mais original e nova do cristianismo: chegar a padecer ou experimentar a cruz não desmerece da vida de Deus, mas mostra sua maior dignidade. Precisamente porque mostrou a proximidade e filantropia (como diziam os Santos Padre) de um Deus que sai ao encontro de sua frágil criatura para fazer-se protagonista também de nossa história de dor.

Por isso a teologia não pode deixar de perguntar-se: o que é que faz Deus “tão humano” como para fazer própria a carne fraca e vulnerável dos homens? Esta pergunta contribui a abrir a porta para aceder ao mistério do Deus Trindade e do Filho encarnado, que constitui por sua vez o núcleo do mistério cristão e da dignidade do ser humano.

Como encarar a “filosofia cristã do sofrimento” em uma sociedade na qual se premiam as alegações à eutanásia?

Eloy Bueno de la Fuente: O subtítulo de minha conferência era precisamente “Uma alternativa cultural”. Com isso, pretendo indicar que é a mensagem cristã que lança uma interpretação (e até um desafio) a uma cultura que elabora estratégias para ocultar ou marginalizar os mais fracos e indefesos, os que são considerados um peso porque não podem produzir ou consumir, desfrutar ou comunicar prazer.

Evidentemente não se trata como recorda a moral de usar meios extraordinários para prolongar artificialmente a vida. Mas a fé cristã deve recordar a nossa civilização que a rejeição do Crucificado leva consigo o esquecimento dos crucificados. E desde a dignidade dos crucificados se deve exigir à sociedade que arbitre os meios (econômicos e pessoais) para que nenhum enfermo, ainda que terminal, seja sentido como uma carga.

Como se pode apresentar a mensagem da cruz de Cristo às vítimas do terrorismo, aos enfermos terminais, aos sem-papéis, ...?

Eloy Bueno de la Fuentes: Sobretudo nestes casos as palavras podem resultar retóricas e distantes, quando se pronunciam desde a distância. O crente, não obstante, à luz da Páscoa, deve sentir a responsabilidade de recordar-lhes, anunciar-lhes e testemunhar-lhes sua imensa dignidade como pessoas humanas.

A figura do Crucificado não é um convite à resignação ou o oferecimento de um consolo fácil. Desde esta perspectiva, o sofrimento adquire outros perfis e outras profundidades de humanidade. À luz do Deus crucificado adquire maior densidade a lembrança das bem-aventuranças e se faz mais fácil a união pessoal com a experiência do mesmo Jesus com o olhar posto na Páscoa.

Estamos próximos da Semana Santa. Toda iconografia sangrenta e dolorida de nossos passos ajuda a entender a mensagem cristã da dor ou a distorce?

Eloy Bueno de la Fuente: A demonstração e a contemplação da dor em seu realismo contribui conteúdo de realidade ao anúncio da mensagem cristã. E desta forma faz ver a crueza do acontecimento histórico que recordamos e celebramos. Por isso, creio que tais manifestações de piedade popular conectam com o sensus fidei do povo cristão.

Dito isto, contudo, impõe-se uma precisão substancial: sempre que seja vista e vivida desde a Páscoa. A unilateralidade da Sexta-feira Santa resulta inaceitável quando se isola do Domingo da Ressurreição. Para enriquecer nossa Semana Santa há que continuar o caminho já iniciado com êxito para revalorizar a vigília pascal e os “passos pascais”.

Os últimos anos de João Paulo II puseram sobre a mesa a “exposição” sem esconder de um homem enfermo, encurvado e que tem dificuldades como conseqüência de sua deterioração física. Que opina o senhor sobre isso?

Eloy Bueno de la Fuente: Não se pode excluir de nenhum modo que chegue um momento no qual as condições físicas ou psíquicas façam inviável o exercício do ministério papal. Tampouco me atreveria a precisar quais devem ser as condições e requisitos. Neles sem dúvida devem primar os aspectos psíquicos e intelectuais.

Falando, contudo, do caso concreto e atual, considero que as respostas anteriores assinalam o caminho da resposta. Ante a opinião pública mundial e eclesial lança-se uma interpretação para que reconheça e aceite em sua dignidade e capacidade de serviço os anciãos. Neste sentido o exemplo de João Paulo II é profético.

Também deve ser aproveitado como ocasião para aprofundar no sentido do ministério do sucessor de Pedro: é antes de tudo um martírio, ou seja, o testemunho de Jesus Cristo em todas as dimensões de seu ministério salvador: também crucificado. Este aspecto martirial do Papado deve equilibrar outros aspectos que se destacam com maior freqüência: a projeção mediática, a força de sua personalidade, sua energia para a liderança, a grandeza de seu projeto, a ampla gama de suas capacidades... Precisamente a situação de debilidade permite uma leitura mais teológica, eclesial e espiritual de seu ministério.

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